segunda-feira, fevereiro 02, 2009

No negror da noite...

Parábola de Millôr Fernandes (que, segundo ele, enxerga longe e é "parabólico") sobre a cegueira...

Todo o país dos homens sem pupila
Banhando-se no sol desta matina
Sem pressentir perigos
E nem saber que fato, droga, sina,
Capricho da evolução,
Tinha lançado todos
Nesta escuridão.
Todos? Não. Vez por outra
Ainda nasce, no país,
Um monstro, um aleijado,
Que vê tudo em redor,
Como se via no passado.

Mas logo os pais, aflitos,
O levam a um atrologista
Que o devolve à normalidade
De viver sem vista.

Tem um porém, porém;
Nunca ficam totalmente bons,
Os desgraçados.
Quer dizer, nunca não-vêem de todo.
Pois sempre se referem, com emoção, (olhando na memória)
A luz, forma, textura, dimensão.

E os cegos de nascença,
Que sabem apenas palavras
Para definir distância e colorido (isto é, conhecem o ver, de ouvido)
Entram em excitação
E, numa disputa vã,
Contam que também viram
Algo como voando
Em incerta manhã.

Mas, ao falar de vidências,
Estão todos, os despupilados,
Apenas fingindo rebeldia
Com a faca no escuro
Tirando lascas do tronco da Utopia.
Basta olhar na mansidão opaca
Dos olhos remelentos
Dos poucos que já viram
Ou nos vítreos glóbulos vazios
Da grande maioria
Banhando-se de luz
Na escuridão do meio dia.

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